Recebimento: 10/05/2025 |
Fase: Emissão de Parecer Prévio |
Setor:Consultora Legislativa - 01 |
Envio: 26/05/2025 12:14:18 |
Ação: Emitido Parecer Prévio
|
Tempo gasto: 15 dias, 17 horas, 5 minutos
|
Complemento da Ação: À Comissão de Justiça e Redação
Senhor Presidente
Trata-se de Projeto de Lei de autoria do Vereador Clóvis Girardi autorizando o Poder Executivo a orientar e implementar, nas placas de identificação das áreas de estacionamento rotativo, mecanismos que facilitem o acesso ao aplicativo ou site oficial de pagamento e dá outras providencias.
Embora a matéria seja de competência municipal, quanto à iniciativa do projeto deve ser observada a Lei Orgânica do Município de Santo André, que estabelece o rol das matérias de iniciativa exclusiva do Prefeito, que inclui os projetos que disponham sobre atribuições de secretarias (art. 42, IV).
Mesmo se assim não fosse, não é possível ao Poder Legislativo invadir a esfera do Poder Executivo estabelecendo-lhe atribuições, vez que está não é sua função e configura afronta direta à Constituição Federal em seu artigo 2º, que estabelece a independência dos Poderes.
Incide a norma pretendida pelo parlamentar em uma Lei Autorizativa, insistente na prática legislativa brasileira, constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de "leis" passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu "lei" autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente.
O fato de ser mera autorização não elide o efeito de dispor, ainda que de forma não determinativa, sobre matéria de iniciativa alheia aos parlamentares. Vale dizer, a natureza teleológica da lei – o fim: seja determinar, seja autorizar – não inibe o vício de iniciativa. A inocuidade da lei não lhe retira a inconstitucionalidade. A iniciativa da lei, mesmo sendo só para autorizar, invade competência constitucional privativa.
Analisando-se a proposta em tela vê-se que, em face da disposição eminentemente autorizativa/determinativa é a emissão de obrigação a outro poder, pode ser tida como desnecessária, pois, como se sabe, não precisa o Executivo de autorização legislativa para o que ali se propõe. Trata-se de questão de exclusiva competência do Prefeito.
O STF entende que a utilização das leis de cunho autorizativo/determinativa não pode ser desvirtuada, pois isso traduz interferência na atividade privativa do Executivo.
Confira-se:
“O fato de a lei impugnada ser meramente autorizativa não lhe retira a característica de inconstitucionalidade, que a desqualifica pela raiz” (STF, Pleno, Repr. 686-GB, in Revista da PGE, vol. 16, pág. 276).
Segundo esse entendimento, se o Legislativo não tinha poderes para formular a lei autorizativa, muito menos poderia editá-la. Confira-se nessa linha a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal na representação de inconstitucionalidade nº 993-9, relatada pelo Ministro Néri da Silveira, que versava sobre lei estadual, de iniciativa do Legislativo do Rio de Janeiro, pela qual se autorizava a criação de fundação assistencial:
“Lei autorizativa traduz, sob ângulo material, verdadeiro ato administrativo. Ora, ao órgão legislativo só é lícito participar diretamente da atividade administrativa nos casos em que, para tanto, a Constituição Estadual lhe outorgue competência. Fora daí ocorre violação do princípio da harmonia e independência dos poderes (C.F., artigo 10, inc. VII, letra “e”). Conforme o TJ/SP, a título de ilustração, “As leis autorizativas são inconstitucionais por vício formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o princípio constitucional da separação dos poderes” (ADIn. nº 143.646-0/1-00). Oportuno registrar ainda que o vício é insanável porque as leis com vício de iniciativa não podem ser convalidadas pelo Prefeito, consoante preconizava a Súmula 5 do STF (de 13.12.1963), verbis: "A sanção do projeto supre a falta de iniciativa do Poder Executivo." Tal súmula foi superada há décadas e a posição atual do STF é de que não é possível suprir o vício de iniciativa com a sanção. Senão vejamos: “O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação de poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.” (STF, Pleno, Adin n.º. 1.391-2/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, Diário de Justiça, Seção I, 28 nov. 1997, p. 62.216, apud Alexandre DE MORAES, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo, Atlas, 2002, p. 1.098)
Sobre a impossibilidade da sanção do Chefe do Poder Executivo sanar o vício de iniciativa legislativa, Alexandre de Moraes esclarece:
“Assim, supondo que um projeto de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo tenha sido apresentado por um parlamentar, discutido e aprovado pelo Congresso Nacional, quando remetido à deliberação executiva, a eventual aquiescência do Presidente da República, por meio da sanção, estaria suprindo o inicial vício formal de constitucionalidade? Acreditamos não ser possível suprir o vício de iniciativa com a sanção, pois tal vício macula de nulidade toda a formação da lei, não podendo ser convalidado pela futura sanção presidencial. A Súmula 5 do Supremo Tribunal Federal, que previa posicionamento diverso, foi abandonada em 1974, no julgamento da Representação n.º 890 – GB 1 , permanecendo, atualmente, a posição do Supremo Tribunal Federal pela impossibilidade de convalidação, (...).”
Salientamos, porém, que a matéria poderá ser encaminhada ao Prefeito Municipal pela via da indicação, instrumento propício ao desempenho da atividade de assessoramento governamental cometida ao Poder Legislativo e expressamente prevista no artigo 145 do Regimento Interno desta Casa.
Por todo o exposto, entendemos ser a presente propositura ILEGAL E INCONSTITUCIONAL, ressaltando que a matéria exige quorum de maioria simples, nos termos do Artigo 36, caput, da Lei Orgânica do Município.
Caso esta Douta Comissão de Justiça compartilhe do mesmo entendimento, apontamos para a observância da regra regimental disposta no §1º do artigo 54, que determina o imediato arquivamento das matérias julgadas inconstitucionais pela Comissão de Justiça e Redação.
É o parecer, s.m.j.
|
Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
|
|
|