Recebimento: 03/07/2023 |
Fase: Emissão de Parecer Prévio |
Setor:Consultora Legislativa - 01 |
Envio: 11/09/2023 16:09:40 |
Ação: Emitido Parecer Prévio
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Tempo gasto: 70 dias, 3 horas, 17 minutos
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Complemento da Ação: Trata-se de Projeto de Lei de autoria do nobre Verador Zezão, reconhecendo, no âmbito do Município de Santo André, a surdez unilateral como deficiência cognitiva.
Anexamos ao presente parecer proferido pela consultoria Ibam em caso semelhante (não idêntico), que aqui acolhemos.
"PARECER Nº 0262/2021 PG – Processo Legislativo. Projeto de Lei. Iniciativa parlamentar. Reconhecimento de visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual. Reconhecimento de audição unilateral como deficiência do tipo auditivo. Direitos da Pessoa com Deficiência. Princípio da necessidade. Princípio da Reserva da Administração. Considerações. CONSULTA: A Consulente, Câmara, diz que um vereador do Município, pretende encaminhar Projeto de Lei para inclusão de pessoas com visão monocular como deficientes do tipo visual. Dito isso, a Consulente, solicita a análise da constitucionalidade deste futuro projeto de lei. Questiona ainda a viabilidade desta propositura originar-se do Legislativo, e também, a viabilidade deste mesmo vereador decidir incluir na propositura os portadores de perda de audição unilateral. A consulta segue documentada com modelos de Projeto de Lei que seriam utilizados na confecção desta futura propositura bem como a respectiva LOM do Município Consulente. RESPOSTA: A noção de república pressupõe que as políticas públicas sejam 1 - traçadas, assim como as leis formuladas, no interesse da sociedade, sociedade esta com a almejada integração social de todos seus componentes, haja vista que todos os cidadãos, portadores ou não de necessidades especiais, são destinatários dos mesmos direitos assegurados constitucionalmente. A política pública de acessibilidade aos portadores de necessidades especiais possui estatura constitucional, conforme se extrai de diversos de seus dispositivos (a exemplo dos arts. 7º, XXXI; 37, VIII; 227, § 1º e 2º da CRFB) que visam a sua inclusão social, não só com a eliminação de barreiras arquitetônicas, mas também na esfera educacional, cultural, no lazer, no mercado de trabalho, etc. Sobreleva, neste aspecto, destacar a Convenção Internacional de Direitos da Pessoa com Deficiência (conhecida como Convenção de Nova Iorque), promulgada pelo Decreto Federal nº 6.949/2009, foi internalizada no Brasil com status de emenda constitucional, ratificada na forma do artigo 5º, parágrafo 3°, da CRFB (HC 87.585-TO e RE 466.343- SP/, STF), constituindo diploma autoaplicável e inderrogável (sequer pelos procedimentos de revisão da Carta), dado que a Convenção trata especificamente de Direitos Humanos. Ao analisarmos a legislação vigente no país que trata deste tema, primeiro podemos verificar a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - Lei 13.146/2015 que assim estabelece em seu artigo 2º: "Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será 2 biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (Vigência) I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019)". (grifos nossos) Observe-se, portanto que o conceito dado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência à pessoa com deficiência é amplo, bastando para tanto que se constate impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Nesse sentido andou bem o legislador ao não estabelecer um rol taxativo de quais agravos podem ou não caracterizar uma deficiência, tal como visão monocular ou perda de audição unilateral, como no exemplo posto na consulta. Com efeito, inúmeras condições e agravos podem ensejar essa caracterização, bastando para tanto que essa limitação seja: (i) de longo prazo; (ii) de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e; (iii) que em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A avaliação da deficiência e respectivo enquadramento, portanto, 3 não é tarefa que cabe ao legislador, mas sim a equipe multiprofissional e interdisciplinar, mediante instrumentos estabelecidos pelo Poder Executivo para avaliação da deficiência, considerando os critérios estabelecidos no §1º do art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Já a Lei 13.846 de 2019 em seu art. 39, parágrafo único diz que o disposto no inciso V do § 3º do art. 30 da Lei nº 11.907, de 2 de fevereiro de 2009, terá vigência entre a data de publicação desta Lei e a data de publicação do ato normativo que aprovar o instrumento de avaliação a que se refere o § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Assim, como o ato normativo em questão ainda não foi publicado, no âmbito da União, aplica-se o inciso V do § 3º do art. 30 da Lei nº 11.907/2009 que assim estabelece: Art. 30 (...) §3º São atribuições essenciais e exclusivas dos cargos de Perito Médico Federal, de Perito Médico da Previdência Social e, supletivamente, de Supervisor Médico-Pericial da carreira de que trata a Lei nº 9.620, de 2 de abril de 1998, as atividades médico-periciais relacionadas com: V - o exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no âmbito federal, para fins previdenciários, assistenciais e tributários, observada a vigência estabelecida no parágrafo único do art. 39 da Lei resultante da Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019; Pode-se citar, ainda, o antigo regramento estabelecido pelo 4 Decreto 3.298/1999 que Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Conquanto a referida Lei 7.853/89 não tenha sido revogada pela Lei 13.146/2015 quer nos parecer que o regramento estabelecido pelo artigo 4º do Decreto 3.298/1999 foi derrogado em virtude de sua incompatibilidade com o novel regramento introduzido pelo art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). De toda sorte, confira-se o que estabelece o referido artigo 4º do Decreto 3.298/199: "Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)". (grifos nossos) Ademais também podemos ressaltar as Súmulas de número 377 e 522 ambas do Superior Tribunal de Justiça que tratam, respectivamente, sobre visão monocular e audição unilateral: "Súmula n. 377 - O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes". 5 "Súmula n. 522 - O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos". Em cotejo, há de se considerar que o portador de visão monocular já é tido como deficiente pela Jurisprudência pátria, e, portanto, se torna inócua a previsão de projeto de lei que pretende conferir como deficiente o portador de visão monocular. Nesse sentido, urge informar sobre o princípio da necessidade: "Embora a competência para editar normas, no tocante à matéria, quase não conheça limites (universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa é, e deve continuar sendo, uma atividade subsidiária. Significa dizer que o exercício da atividade legislativa está submetido ao princípio da necessidade, isto é, que a promulgação de leis supérfluas ou iterativas configura abuso do poder de legislar". (MENDES, Gilmar Ferreira. Teoria da Legislação e Controle de Constitucionalidade: Algumas Notas. Revista Jurídica Virtual da Presidência da República. Disponível em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_01/ Teoria.html). Por outro lado, quanto à análise da inclusão das pessoas com audição unilateral, mesmo que o STJ tenha editado a supracitada Súmula n. 522, o tema não é pacificado em nossos tribunais, tanto legislações subsequentes (como a Lei Estadual 16.769/18 de São Paulo como a Lei Municipal 2.958/2020 de Domingos Martins/ES) como em julgados recentes, já se considerou a audição unilateral como deficiência, conforme colacionamos o seguinte julgado: "CONCURSO PÚBLICO - Mandado de segurança - Candidata portadora de surdez unilateral - Deficiência física - Caracterização - Previsão editalícia de submissão às regras do Decreto 3.298/99, o qual estabelece, no art. 3º, II, que o conceito 6 de deficiência compreende toda perda ou anormalidade - Precedentes - A Lei n. 16.769/18 expressamente reconhece a deficiência do indivíduo diagnosticado com audição unilateral, cuja edição é posterior ao enunciado n. 522 da Súmula do STJ - Segurança denegada na 1ª Instância - Sentença reformada - Recurso provido". (TJSP; Apelação Cível 1002193-11.2019.8.26.0129; Relator (a): Leme de Campos; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Casa Branca - 2ª Vara; Data do Julgamento: 07/09/2020; Data de Registro: 07/09/2020 - grifos nossos) Portanto é possível verificar a ocorrência de questão controversa. Desta monta, podemos notar também um movimento legislativo nessa questão com o PL 1361/2015 (PL 26/2016 no Senado) que pretende considerar pessoa com deficiência aquela com perda auditiva unilateral. Tal Projeto de Lei atualmente se encontra parado e pronto para Pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) desde setembro de 2018. De toda forma, levando em consideração o §2º do art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - Lei 13.146/2015, segundo o qual cumpre ao Poder Executivo criar instrumentos para avaliação da deficiência e o inciso V do §3º do art. 30 da Lei nº 11.907/2009 que trata em âmbito federal das atribuições exclusivas do Perito Médico quanto a avaliação biopsicossocial de deficiência, podemos entender que a tarefa de criar instrumentos de avaliação de deficiência é do Poder Executivo, e insere-se no postulado da "Reserva da Administração": "O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...) Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional 7 do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultravires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais". (STF - Tribunal Pleno. ADI-MC nº 2.364/AL. Dj de 14/12/2001, p. 23. Rel. Min. Celso de Mello) Em suma concluímos objetivamente a presente consulta no sentido da inviabilidade jurídica do projeto de lei, dado que nos termos em que estabelece o §2º do art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - Lei 13.146/2015 a condição de pessoa com deficiência deve ser avaliada, caso a caso, de acordo com os instrumentos de avaliação a serem editados pelo Executivo. É o parecer, s.m.j. Gustavo Neffa Gobbi da Consultoria Jurídica Aprovo o parecer Marcus Alonso Ribeiro Neves Consultor Jurídico Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2022"
Opinamos pelo arquivamento da presente propositura ante a sua flagrante inconstitucionalidade e informamos que o quorum para eventual aprovação, caso nosso parecer não seja acolhido, é de maioria simples.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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